A birra é um comportamento que faz parte do desenvolvimento de toda criança. No entanto, nem sempre os pais conseguem lidar bem com essa fase. De repente, o seu filho, que até então era tranquilo e quieto, começa a se comportar de forma surpreendente: grita, se joga no chão, é sempre “do contra”… E você se pergunta o que fazer.
Muitas vezes, ficamos com raiva e vergonha, e acabamos descontando na criança com gritos, puxões de orelha ou mesmo palmadas. Mas será que isso resolve ou só piora o problema?
Para tirar todas as suas dúvidas sobre o assunto, a equipe do Tudo Ela entrevistou o médico pediatra Dr. Daniel Becker, do Instituto Saúde Coletiva da UFRJ, especialista em Homeopatia e Saúde Pública, e pioneiro no Brasil na Pediatria Integral (prática que visa que amplia o olhar e o cuidado não só no que diz respeito a tratar e prevenir doenças, mas também na promoção do bem-estar social, emocional e espiritual da criança com a participação da família).
Veja o que ele nos contou!
1 – Afinal, por que a birra acontece?
A birra acontece especialmente porque a criança pequena ainda não consegue lidar com suas emoções, e não sabe se comunicar. Entre 1 ano e meio e 2 anos de idade, ela está em um período de emoções intensas e o cérebro ainda não tem o mecanismo de controle destas, o que acaba causando um pequeno “vulcão” de emoções.
Então, quando essas emoções surgem, ela precisa de uma expressão forte e imediata, bem diferente do exercício de controle que um adulto exerce. É claro que a criança também tem emoções positivas muito intensas, que você percebe quando ela ri, pula, brinca, corre, beija ou abraça.
Por outro lado, as emoções negativas também surgem com muita intensidade. Por isso, especialmente nos momentos em que é frustrada, a criança se joga no chão, chora, grita ou quer bater, justamente por não ter ainda a capacidade de controle de suas ações.
2 – Em que idade a birra começa e quando ela termina?
A fase principal da birra acontece entre 1 ano e meio e 4 anos de idade. Raramente, ela passa dos 6 anos. Uma criança mais velha pode ter, eventualmente, um ataque temperamental, mas não seria exatamente uma birra.
3 – É possível preveni-la?
A birra é um processo natural do desenvolvimento da criança e acontece justamente pela necessidade de expressão emocional que ela tem nessa idade, mas em um período em que a área racional do cérebro ainda não consegue controlá-la.
Existem crianças que conseguem passar por essa fase com poucos acessos de birra e outras não, o que vai variar de uma para outra, assim como existem adolescentes que entram em uma crise profunda e outros que passam a fase de adolescência sem maiores sofrimentos. É importante não culpar os pais ou presumir que a criança é assim porque foi “mal educada”.
4 – Quais são as melhores maneiras de evitar os ataques de birra?
É preciso seguir algumas regras. A primeira delas seria tentar não entrar em todos os conflitos com a criança. Nessa idade, de até 2 anos, surgem muitos deles, em que você terá que dizer NÃO e acabar frustrando-a. A criança vai querer ir a todos os lugares, pegar todos os brinquedos e comprar tudo na loja, já que ela não tem o mesmo controle de um adulto.
Então, a dica é evitar todas essas tentações, evitando levá-la à lojas de brinquedo, por exemplo. Por outro lado, também é bom evitar entrar em todas as “guerras”, e dizer SIM, de vez em quando. Aceite que a criança faça algo um pouco fora da rotina às vezes, desde que não a prejudique. Isso fará bem à ela, e evita que a vida se torne uma sucessão interminável de conflitos.
Agora, se entrar em um conflito, vá até o fim. Afinal, para perpetuar uma birra, nada mais certeiro que compensá-la com aquilo que a criança está tentando conseguir com o “ataque”. O resultado será o aumento da frequência e intensidade das crises de birra.
Evite também os dois principais causadores de birra e irritabilidade em crianças de até 2 anos: o sono e a fome. Se perceber que o seu filho está ficando irritado, coloque-o para dormir durante o dia e tente deixá-lo sempre bem alimentado.
5 – Quando a birra ultrapassa todos os limites, é importante investigar as suas causas?
Geralmente, a birra está ligada às frustrações da criança. Porém, as crises podem surgir em diferentes cenários, como insegurança emocional ou situações de abuso, seja na escola ou em casa, entre outras possibilidades.
Então, se a criança está muito irritada e birrenta, se ela parece triste e abatida ou com medo, ela precisa ser olhada com mais cuidado para tentarmos entender de onde vem estes sentimentos e reações, e verificarmos se eles podem estar ligados a problemas físicos ou psicológicos mais graves.
6 – Dar umas palmadas pode ser um remédio em algum momento? Ou só piora situação?
A palmada é a pior solução possível. A punição física não resolve a birra, não previne outros episódios, e está associada a problemas de comportamento na vida adulta, incluindo depressão, tristeza e ansiedade. A palmada vai fazer a criança entender que o problema se resolve com violência, o que poderá torná-la uma reprodutora da mesma. Além de ser uma covardia bater em criança, é certo que com a violência ela estará perdendo uma oportunidade de aprender algo, visto que é uma prática contraproducente. Existem formas bem mais eficazes de educar.
7 – E colocar de castigo?
Depende, mas, em geral, também não funciona. Inclusive, acho bem ruim essa estratégia do chamado “cantinho do pensamento”, pois não parece uma boa ideia associar o ato de pensar a um castigo. Afinal, a criança precisa entender que pensar pode ser algo prazeroso e relacionado à coisas boas, e não uma punição.
Para mim, o melhor castigo é a indiferença. A birra, muitas vezes, é uma maneira da criança de pedir atenção. Então, você pode dizer: “Estou muito zangada e não vou falar com você até…. (tal momento)”, por exemplo. Faça isso por cerca de 10 a 15 minutos, não dando atenção ou respondê-la.
Não adianta ignorá-la por mais tempo que isso, pois não funciona com crianças pequenas, já que elas não entendem. Mesmo assim, a indiferença é um bom antídoto para a birra, pois gera um reforço negativo – bem melhor do que colocar em um canto para pensar.
8 – Então, como agir com a criança quando está fazendo birra?
A primeira coisa é entender que os ataques de birra da criança vão passar em alguns minutos. Então, abraçá-la e retirá-la do ambiente ou situação que esteja causando a crise, falar baixinho, olhá-la nos olhos, evitar que ela se machuque e tratá-la com carinho podem ser algumas das melhores maneiras de lidar com o problema.
Outra dica essencial é comunicar-se de forma eficiente com a criança quando ela estiver expressando algum sentimento. Se ela estiver zangada ou irritada, enrijeça a testa e os olhos de modo a mostrar a expressão que ela está no rosto e diga: “Você está zangada” ou “você está com muita raiva”. Isso vai ajudá-la a entender o que ela está sentindo e o nome que se dá a essa emoção.
Essa é uma estratégia que a faz ter consciência da emoção que está sentindo, uma etapa fundamental da inteligência emocional. Então, a birra pode ser uma oportunidade educativa excelente: ela ajuda a ensinar uma criança a ser inteligente emocionalmente.
Aproveite também para mostrar à ela a diferença entre sentir raiva e fazer alguma coisa. Diga: “Estou vendo que você está com raiva, mas não pode bater”, por exemplo. Um NÃO PODE de forma pausada e bem clara, olhando-a nos olhos, pode ajudar a criança a entender que a ação inadequada é algo ruim e não vai ser aceita.
Se ela continuar batendo em você, segure a mão dela, diga novamente o NÃO PODE e comunique à ela o seu sentimento no momento: “Estou triste ou zangada porque você me bateu. NÃO PODE”.
Ou seja, ensine a criança a separar bem a emoção da ação. Ela pode sentir a emoção, já que é inevitável que ela venha – e ela deve ser sempre acolhida; mas é preciso reprimir a ação inadequada que vem a partir dela, como se jogar no chão, gritar ou bater em alguém.
9 – Uma educação muito permissiva, ou seja, que deixa a criança fazer tudo o que quer, pode ser uma das causas da birra?
Sim. As crianças mimadas são mais birrentas. Em uma situação familiar em que os pais não conseguem dizer NÃO, ou seja, não conseguem frustrar a criança, ela se sente cada vez mais dona de si e poderosa e passará a exigir mais coisas. Isso gera um círculo vicioso: os pais vão “enlouquecendo” e a criança fica desorientada, já que ela precisa de uma autoridade.
Então, é muito importante a gente saber dizer não nas situações em que ele é necessário e entender que a permissividade não deixa uma criança mais feliz. Pelo contrário, ela se torna mais irritada, infeliz e, principalmente, mais frustrada e angustiada. E isso tem reflexos na vida adulta, podendo gerar pessoas narcisistas, com dificuldades nos relacionamentos e no trabalho.
10 – Quais atividades infantis ajudam a amenizar os ataques de birra?
A atividade infantil que mais vai reduzir a frequência das crises de birra é o brincar livre, especialmente na natureza. A criança precisa expandir a sua energia, brincar consigo mesma e com amigos, inventar as suas próprias histórias, que são necessidades ardentes e essenciais na infância.
Então, tirá-la de casa e levá-la até um lugar natural é muito importante, seja em um playground, uma praça ou uma praia em que ela possa correr, respirar ao ar livre, pegar um pouco de sol, etc. Também é preciso cuidar para que ela não tenha atividades programadas e estruturadas em excesso, como aulas na escola o dia inteiro, pois isso pode deixar a criança frustrada e estressada, levando aos ataques mais frequentes.
Os eletrônicos, como tablets e smartphones, em excesso também vão gerar crianças mais irritadas e com dificuldades emocionais: é muito importante ter cuidado e parcimônia no uso desses gadgets.
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Até a próxima!